Projeto Editorial Berggasse 19 - 2022 - 2º Semestre
Após Partos e Partidas, tema do último volume, a Berggasse 19 propõe como estímulo à escrita para a próxima edição, pensar o binômio presenças↔ausências em suas múltiplas dimensões.
Desde o fort-da, a emblemática brincadeira observada por Freud e narrada em Além do Princípio do Prazer, quando percebeu seu neto, de menos de dois anos, brincar com um carretel preso a uma linha. A brincadeira consistia em movimentos de vai e volta do carretel, fazendo o bebê emitir o som “o-o-o-o” (próximo a “fort”, “foi embora”, em alemão). Na sequência, puxava de volta o carretel emitindo um “da” (“está aqui”, interpretado como “retorno”). Freud descreveu tal observação como uma forma do bebê lidar com a ausência temporária da mãe e a elaboração da falta, um “controle simbólico do objeto perdido”, uma encenação simbólica da presença na ausência.
Na evolução das teorias psicanalíticas das relações objetais, ausência e presença a respeito do objeto ocupam um lugar fundamental no funcionamento psíquico, com implicações teórico-clínicas e na função do psicanalista. Encontramos no pensamento de Melanie klein, na relação mãe-bebê, a relevância da “angústia de separação”, as angústias engendradas na ausência do objeto. Diferente de Donald Meltzer, ao apresentar em sua obra A Apreensão do Belo, sua teoria do “conflito estético” sobre o impacto do contato inicial do bebê e sua mãe. Os conflitos despertados pela presença do objeto provocam diferentes reações no psiquismo e originaram novos corolários para o funcionamento mental. Bem como W. R. Bion afirma da importância de tolerar a ausência do objeto concreto, o seio, como gerador da mente a partir das preconcepções inatas; também a presença da dupla analítica como unidade nas relações intersubjetivas da Experiência Emocional no campo. A psicanálise contemporânea, avançando nos estudos da vida intrauterina e investigações acerca da manifestação da vida mental do feto e a suposição de uma protomente/mente embrionária, questiona: Desde quando, e de que modo, a mente está presente?
Na prática clínica, considerando as relações transferenciais e contratransferenciais, igualmente contemporânea é a investigação da qualidade da presença nos atendimentos on-line – cujo incremento é herança desses tempos pandêmicos –, quando comparados aos atendimentos presenciais. O que fica ausente do vínculo analista-paciente quando a captação das informações sensoriais do atendimento presencial fica suspensa? Como lidar com a interferência da copresença eventual de terceiros durante essa modalidade de atendimento? A distância física da dupla traz matizes ao aspecto solitário do atendimento clínico? São questionamentos que continuam instigando, e abrangem a teoria, a técnica e a ética dos nossos dias.
A humanidade em seu mal-estar, mal teve tempo de emergir para respirar o vislumbrar do final da pandemia da COVID-19 e imergiu em uma nova guerra entre povos na sequência, impondo-nos a continuar enfrentando outro binômio indissociável: vida-morte. Os fatos recentes intensificam as vicissitudes da vida e do trabalho analítico, demandas inerentes, ônus da existência humana e de nossa função profissional. Assim, é inevitável a constatação de um mundo interno pleno de ausências e presenças, vivenciando ausências com ressonâncias, elaborando presenças sem ressonâncias, e das tantas ausências e presenças próprias da constituição da vida psíquica.
Diariamente, somos convocados a conjugar as ausências e presenças, tolerar presenças de ausências, perdas, impermanências, transitoriedades. Uma convocação à permanente reflexão, no esforço contínuo de manter a capacidade para pensar, condição interna indispensável diante da Mente na linha de fogo (Mind in the line of fire), tema escolhido para o próximo congresso mundial da IPA, em 2023. O psicanalista é desafiado a manter seu setting interno, seja presencialmente ou via remota e, pela experiência emocional da dupla, perceber que presença se conforma e qual sua acessibilidade quando do aumento da tensão e da instabilidade.
Esta carta-convite vem convocar a todos à escrita. Acreditamos que seu exercício possa promover elaborações de inquietudes, compartilhamentos de ideias e experiências, enriquecimentos mútuos e o próprio registro escrito que publica e documenta outro período turbulento da História. São as apostas do Conselho Editorial da Berggasse 19 para que o leitor-convidado se faça autor.
Os trabalhos deverão ser enviados para o e-mail – berggasse@sbprp.com.br – até a data limite de 15/08/2022. Para acessar as normas para publicação clique aqui.
Conselho Editorial Berggasse 19
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