Projeto Editorial

 

Berggasse 19 – Revista de Psicanálise da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Ribeirão Preto

 

Projeto Editorial 1º semestre 2024 – “SOBRE ARROGÂNCIA”

 

 “O presente estudo focaliza uma classe específica de pacientes; proponho lidarmos com algo que faz parte das aparências externas, indicando a presença de curiosidade, arrogância e estupidez como evidência de um desastre psicológico. Desejo atribuir um significado ao termo “arrogância” sob a seguinte suposição: caso prevaleçam os instintos de vida em uma personalidade, orgulho se torna respeito por si mesmo; quando prevalecem instintos de morte, orgulho torna-se arrogância.” (Bion 1957)  

 

Haveria algo mais familiar a uma sala de análise do que a intimidade com desastres psicológicos? A atividade cotidiana do analista não consiste em grande parte em rastrear focos de vida por entre escombros? Fazer o rescaldo de desastres, por entre restos e rastros divisar, distinguir onde há vida?

No texto trágico Édipo Rei, essa questão atravessa a história em desdobramentos, frequentemente opondo arrogância e desamparo.

Freud, por meio desse mito, funda a Psicanálise. Bion, em releitura, explora e expande essa questão, centrado no binômio acima descrito. São cegos, a princípio, em diálogo, Édipo e Jocasta. O “Conhece-te a ti mesmo” faz parte da travessia dos atores em cena.

“Ora, não te preocupes com o que dizes; ouve-me, e fica sabendo que nenhum mortal pode devassar o futuro. Vou dar-te já a prova do que afirmo. Um Oráculo outrora foi enviado a Laio... O destino do rei seria o de morrer vítima do filho que nascesse do nosso casamento. [...] Nem o filho de Laio matou o pai, nem Laio veio a morrer vítima de um filho. Eis aí como as coisas se passam, conforme as profecias oraculares! Não te aflijas, pois o que o deus julga que deve anunciar, ele revela pessoalmente.” (Édipo Rei, Sófocles)

Freud propõe o modelo da tríade edípica como constituinte do psiquismo, a partir desse modelo ilumina a potência da sexualidade como força motriz da existência humana e Bion expande o modelo considerando a vocação do ser humano para a investigação da verdade.

[...] Édipo: "Mas, que dizes, afinal? Não te compreendo bem! Vamos? Repete tua acusação"!

Tirésias: "Afirmo que és tu o assassino que procura".

[...] Édipo: "Tu vives na treva.... Não poderias nunca ferir a mim ou a quem quer que viva em plena luz... Quem poderá suportar palavras tais? Vai-te daqui miserável! Retira-te, e não voltes mais.”

 (Édipo Rei, Sofócles)

Contudo o percurso para o conhecer a verdade de si mesmo como encarnado por Édipo, próprio ao trabalho psicanalítico como também à própria vida, acontece em movimentos de busca/evitação, em processos de conhecer/desconhecer, tolerar e negar, alcançar e falsificar. A curiosidade original estará sempre em risco de deterioração, dependente da condição de tolerância da realidade e da verdade, às vezes insuportável verdade.

A verdade impossível/insuportável pode queimar e furar os olhos e todo o aparelho perceptivo mental, danificando a própria possibilidade de conhecer.

O processo de conhecer pode ser substituído por um “conhecimento” pronto estabelecido, moralista e implacável desembocando em arrogância e estupidez.

A consideração pela verdade está intimamente ligada/conjugada com a consideração pela vida e expressa em compaixão. Não a compaixão religiosa, sentimental, clichê, mas a compaixão do “sentir junto com o outro”, estar uno em direção ao ser quem se é, a quem se pode ser.

Ao longo do percurso edipiano/humano e suas encruzilhadas como sustentar vida e verdade, sempre lidando com os riscos de assassinato e atuações?

O método psicanalítico potente e ao mesmo tempo vulnerável se propõe como instrumento de trabalho e de sobrevivência, concentra em si tanto a potência da investigação, observação, constituição do conhecer como a vulnerabilidade ao ódio pelo conhecer, pela realidade e pela própria capacidade de suportar, tolerar e transformar emoções impossíveis. No trânsito entre potência e vulnerabilidade se desenrola a clínica psicanalítica, a clínica desafiadora que nos demanda mais investigação e rigor, curiosidade que nos inspire a buscar antídotos para arrogância e estupidez com a convicção de que nunca estaremos a salvo, como psicanalistas e como humanos.       

 A partir destas fundamentais inquietações o Conselho Editorial da Revista Berggasse 19 elege para o ano de 2024 o tema "Sobre a Arrogância" que presente no universo psicanalítico, permeia tanto o contexto contemporâneo em que estamos inseridos, como também se apresenta na nossa clínica. 

Mantendo o compromisso com a pesquisa, investigação e publicação em psicanálise, afirmamos o nosso prazer em manter a interlocução na Revista Berggasse 19, aberta a todas as contribuições.

O prazo para o envio dos artigos que envolvam o tema se encerra no dia 25 de março de 2024.

Envie seu trabalho para o e-mail berggasse@sbprp.com.br

Para acessar as normas de publicação acesse https://berggasse19.emnuvens.com.br

Conselho Editorial Berggasse 19